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Foto do escritorElisa Rodrigues

Recomendação de leitura: Decolonizar o museu, de Françoise Vergès

Atualizado: 6 de ago.

Li recentemente Decolonizar o museu: programa de desordem absoluta, de Françoise Vergès, um livro com que nossa aluna Gisele gentilmente presenteou a professora Samanta e que assim que pude peguei emprestado para ler. Gostei bastante da leitura e acho que é um livro muito interessante para os estudantes de francês, por isso decidi trazer algumas das ideias propostas pela autora para meu texto do blog.

Françoise Vergès, autora deste livro, nasceu em 1952, em Paris, cresceu na ilha da Reunião (um departamento ultramarino francês do oceano Índico) e já morou na Argélia, no México, na Inglaterra e nos Estados Unidos. É cientista política, historiadora, ativista e bastante conhecida por seus estudos pós-coloniais.

Seu livro Decolonizar o museu foi publicado em francês em 2023 e traduzido pela editora Ubu no mesmo ano, em um contexto de demanda crescente pela restituição de obras e artefatos saqueados durante os períodos coloniais e expostos em grandes museus europeus. Um exemplo disso é o manto Tupinambá, levado do Brasil durante a ocupação holandesa no século XVII e que se encontrava há 300 anos no Museu Nacional da Dinamarca, que acaba de ser devolvido ao Brasil, dia 11 de julho de 2024, encontrando-se agora no Museu Nacional da Universidade do Rio de Janeiro.



Françoise Vergès se propõe a construir ao longo do livro o que seria um pós-museu, mas o capítulo que mais me interessou e que recomendaria para os estudantes de francês é o capítulo 3, chamado “Louvre, Napoleão, confisco, escravo”. Neste capítulo, Vergès se dedica à formação da ideia de museu universal durante o século XVIII e cujo principal representante é o museu do Louvre, em Paris. Nele, ela retraça a história do Louvre, museu filho do Iluminismo e da Revolução Francesa, explicando como a construção do acervo do museu se deve a inúmeros roubos e pilhagens e fala de sua importância para a construção do poder e da reputação da República Francesa.

“O prestígio inigualável que o Louvre adquiriu no fim do século XVIII e início do XIX foi fruto das pilhagens cometidas pelos exércitos revolucionários – e, mais tarde, pelos exércitos imperiais, comandados sobretudo por Napoleão Bonaparte.” (p. 139)

Segundo Vergès, nas primeiras colonizações, o roubo de objetos e restos mortais era legitimado pelo direito do monarca de tomar posse das riquezas locais. Com a Revolução Francesa, no entanto, o roubo passa a ser justificado com base nos ideais revolucionários, através das ideias de emancipação, de libertação e de luta contra a tirania. Dessa forma, a República Francesa, pela superioridade de suas Luzes e de seus artistas, seria o único país no mundo capaz de oferecer asilo inviolável às obras-primas e de se tornar o guardião do patrimônio da humanidade.

“Os povos são espoliados em nome do progresso, mas podem vir admirar seus tesouros nos museus da França, que os conserva e preserva em nome de um princípio superior ao egoísmo de um povo: o princípio universal. [...] O museu universal é um museu cuja essência é imperialista e colonial.” (VERGÈS, p. 146-147)

O museu ocidental é na maioria das vezes encarado por nós como um espaço sagrado e de neutralidade incontestável. No entanto, representa um local único de encenação da grandeza do Estado-nação e é uma vitrine do nível de civilização que um país alcançou. O museu exalta uma glória impossível de ter sido alcançada não fossem os saques e pilhagens de objetos e restos mortais que privam povos e comunidades de seu luto e da herança de suas riquezas. Acredito que seja uma discussão bastante atual e importante de conhecermos, tanto para pensarmos o destino de objetos saqueados de nosso território, como o manto Tupinambá, quanto para quando formos visitar um representante do museu universal como o Louvre.

Para quem se interessa por esse assunto, recomendo muito a leitura, e recomendo ainda assistir a essa entrevista em francês com Françoise Vergès sobre seu livro. A entrevista funciona como um bom resumo de Decolonizar o museu e é uma boa oportunidade para você treinar o seu francês!


“A identidade da Europa se construiu pelas armas, pela conquista, pela colonização e pela coleta de objetos. O museu europeu é a prova disso”. (VERGÈS, p. 87)

Fonte: VERGÈS, Françoise. Decolonizar o museu: programa de desordem absoluta. São Paulo: Ubu Editora, 2023.

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